Pandemia da Covid-19 e a saúde de nossas cidades. Qual a relação? Muitos estudiosos têm se posicionado sobre o papel dos efeitos da pandemia na remodelação de nossas cidades. Em um momento onde o afastamento social é peça fundamental para a preservação da vida, como utilizar a cidade, instrumento de socialização, a favor da saúde? É característico aos arquitetos a criação de espaços públicos que proporcionem interação entre seus usuários. Agora, em uma realidade pandêmica, como pensar nessa interação com distanciamento físico? Além disso, tratando-se do caráter básico de mobilidade urbana, como garantir a mobilidade das grandes massas com esse distanciamento necessário? No post de hoje trarei algumas reflexões e questionamentos sobre o impacto da cidade em nossa saúde.
Durante esta pandemia tenho lido muitas coisas sobre o impacto na arquiteta dos nossos novos hábitos necessários. Mas pensando em uma escala macro, de sociedade, talvez a primeira esfera que precise ser repensada são as nossas cidades. No atual mundo contemporâneo globalizado, a Covid-19 nos traz talvez o primeiro grande desafio de saúde global. É um despertar de consciência da importância da coletividade para a sobrevivência. Agora a saúde do vizinho impacta diretamente na minha. Ou seja, somos todos responsáveis por estabelecer e manter um ambiente saudável. Embora esse discurso nos pareça um pouco utópico, principalmente à nós brasileiros, o urbanismo de nossas cidades pode e deve acontecer de forma favorável a esta nova condição.

Foto: Daniel Teixeira / Estadão
Como manteremos o afastamento social com uma forma de locomoção que se baseia em transportar a maior quantidade de pessoas por metro quadrado possível? E falo em “manter” porque, mesmo com a certeza que em algum momento teremos uma vacina, já se sabe da possibilidade de novas pandemias se nós, seres humanos, não mudarmos nossos hábitos. Sendo assim, hábitos mais saudáveis também serão necessários. E alguns países no mundo já têm nos mostrado iniciativas. Bogotá, na Colômbia abriu 75km de ciclovias temporárias. Milão planeja construir 35km de novas ciclovias e ampliar de forma definitiva as calçadas urbanas. Em Paris, 650 Km de novas ciclovias pop-up devem abrir após o bloqueio causado pela pandemia, projeto este anterior a pandemia. Essas são tentativas de mobilidade, saudáveis tanto para o indivíduo quanto para a cidade. É claro que em centros urbanos onde este assunto já estava em pauta esse processo de transformações será mais rápido. Mostrar à sociedade que a transformação social depende de ações governamentais que estimulem práticas saudáveis e que, há nós cidadãos deve ser de direito usufruir de soluções mais saudáveis ao nosso dia a dia.
Além do aspecto mobilidade, os ambientes de lazer também compõem o hall dos novos desafios sociais. Interagir sem aglomerar. Como ações imediatas estamos vendo cidades, como Nova York, abrir 11 km de ruas para pedestres (anteriormente utilizadas para veículos) com o objetivo de evitar aglomerações nos parques públicos. Não seria essa a lógica de uma cidade desenvolvida para pessoas?
O lockdown gerou algumas decisões imediatas para possibilitar o funcionamento das cidades tentando reduzir os impactos às pessoas. Fechamento de vias para veículos e abertura para pedestre, transformação de vias para veículos em ciclovias e alargamento de calçadas para possibilitar o distanciamento necessário. Mas quais dessas medidas serão mantidas? Como mantê-las? Sem dúvida é necessário pensar em novas cidades. E há muitos estudiosos refletindo sobre esse tema há muito tempo. O que quero aqui é ampliar o olhar. Saúde não está somente relacionado com espaços para tratar enfermidades. A cidade deveria ter como pré-requisito não gerar enfermidades. Espaços saudáveis é uma responsabilidade social. É isso que as cidades deveriam nos fornecer. Por isso a arquitetura para a saúde é tão ampla.
Mas como pensar em tudo isso em um país como o Brasil, onde a desigualdade social é alarmante. Onde grande parcela da população não tem acesso às necessidades básicas, como saneamento básico, por exemplo. As favelas e as periferias urbanas são os grandes reflexos de nossas políticas públicas de direito à cidade. Acredito que temos um longo caminho. E colocar essa pauta em discussões é necessário e urgente. É preciso sair do meio acadêmico e chegar a toda população.
O post de hoje é mais uma reflexão do que qualquer outra coisa. Precisamos repensar os espaços públicos, despertar a consciência dos cidadãos do impacto que a cidade tem em nossas vidas e nos atentar às políticas públicas. É entender a saúde em toda a sua complexidade e trabalhar em prol de todas as esferas que a envolve. Seria então a pandemia um catalisador para cidades mais saudáveis? Não sei. Mas espero que possamos analisar os efeitos em nossa saúde das cidades que temos hoje que, mesmo sem pandemia, já contribuía para o adoecimento de parte de nossa população. Que possamos então mudar hábitos e políticas públicas para reinventar o urbano para todos.
Fonte imagem de capa:
www.folha.uol.com.br
“Espaços saudáveis é uma responsabilidade social”, caramba, que reflexão pertinente. A gente discute tanto saúde dentro do contexto hospitalar que esquece do óbvio: o ambiente da cidade é um dos, se não o principal, fatores que impactam na prevenção de enfermidades. Na pandemia especialmente, né? Excelente artigo, abriu minha cabeça para pensar em outros aspectos de segurança que ainda não tinha amadurecido. Parabéns! Estou adorando as suas ideias =)